Um Filme Falado (2003) do diretor português de Manoel de Oliveira que, pelo título e pela forma, explicitamente ilustra a assumida teatralidade do seu modo de fazer cinema. Filme estrela do John Gavin Malkovich, Catherine Deneuve. É um clássico.
John Gavin Malkovich, Catherine Deneuve e Manoel de Oliveira |
O modo teatral dos seus filmes é manifesto sobretudo desde O Ato da Primavera (1942), mantém-se na sua segunda longa-metragem de ficção, O Passado e o Presente (1971), não sem sofrer o ataque de críticas severas, e só nos seus filmes seguintes – justificado por abundantes considerações teóricas de comentadores e críticos –, é assumido e decididamente cultivado como forma de conteúdo.
Uma professora de história em viagem de cruzeiro pelo Mediterrâneo segue a trama da civilização, vista como utopia do mundo atual. A linguagem criadora de civilização, a contradição de ser português – o mais universalista dos europeus, o único que não fala a própria língua fora do seu país – ilustram a realidade da União Europeia.
Na verdade, o filme encara não a linguagem como ação criadora da civilização, mas sim o conjunto das ações humanas (a linguagem sendo apenas uma delas), sejam elas boas ou más, as fontes criadoras do processo civilizacional. Processo esse não-linear, contraditório e muitas vezes extremamente violento. Nesse sentido é eloquente o diálogo entre a mãe e a filha quando a primeira faz referências às guerras sucessivas, religiosas e econômicas que acabaram por fundar o substrato cultural, não-homogêneo, do continente europeu, em que elementos da cultura greco-romana, árabe e de várias religiões se misturam, e que seus respectivos povos ao longo dos séculos cultivaram.
A linguagem aparece como elemento contraditório pois ela é, em primeira instância, a marca da diferenciação. Em segunda instância, (quando o processo civilizacional consegue avançar e as pessoas passam a compreender outras línguas que não a sua própria língua) assinala a possibilidade de real integração entre as pessoas e realidades culturais diferentes. O que o filme ilustra é exatamente o momento de ruptura entre os povos, pela incapacidade de se fazerem entender apenas através da língua.
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